Desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) decidiram nesta quinta-feira (24) permitir que gravações com indícios de que os réus foram torturados por policiais sejam usadas como provas no julgamento da revisão criminal do caso Evandro Ramos Caetano.
Os áudios foram encontrados em minifitas cassetes pelo jornalista Ivan Mizanzuk e revelados em uma série documental da Globoplay, baseada no podcast Projeto Humanos.
As gravações indicam que os réus confessaram os supostos crimes mediante tortura e recebendo instruções para a confissão.
O Caso Evandro foi registrado em abril de 1992, em Guaratuba, no litoral do Paraná. O menino tinha seis anos, sumiu no trajeto entre a casa onde morava e a escola e foi encontrado morto com sinais de violência. Sete pessoas foram acusadas pelo crime e quatro foram condenadas.
Relembre abaixo.
As fitas com as gravações estavam nos autos do processo desde a época da condenação, porém, a versão utilizada para incriminar os réus não tinha os trechos que indicam a tortura. A versão considerada pelos desembargadores é a íntegra da gravação.
Próximos passos
O julgamento da revisão foi incluído na pauta de 14 setembro, da 1ª Câmara Criminal. A avaliação será às 13h30. Nesta data, os desembargadores devem analisar o mérito do pedido de revisão criminal, ou seja, qual o impacto que as novas provas terão no processo.
Antônio Augusto Figueiredo Basto, advogado responsável pelo pedido, afirmou que um dos efeitos da decisão pode ser a anulação do processo.
O Governo do Paraná informou que não irá comentar a decisão desta quinta.
Em 2022, o governo estadual formalizou um pedido de desculpas a Beatriz por "sevícias indesculpáveis" sofridas por ela à época da investigação do caso.
Votos
O colegiado decidiu, por três votos a dois, autorizar o uso dos áudios. Segundo o TJ-PR, os desembargadores Miguel Kfouri Neto e Lidia Maejima votaram contra, considerando que antes deve ser feita uma perícia sobre a idoneidade dos áudios.
Os desembargadores Gamaliel Seme Scaff, Adalberto Xisto Pereira e o desembargador substituto, juiz Sergio Luiz Patitucci, votaram a favor por considerarem que os áudios devem ser tomados como verdadeiros em respeito ao contraditório.
Confissões nos áudios
Os áudios revelados mostram as confissões dos acusados Beatriz Abagge, Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula. Os quatro foram condenados pelo sequestro e homicídio do garoto Evandro.
Ao longo do processo, os quatro disseram que confessaram o crime sob tortura policial.
De acordo com perícias contratadas pela defesa de três dos condenados, falas e eventos sonoros identificados nas gravações dos depoimentos dos condenados apontam as agressões.
Há registros de diálogos que indicam, segundo a perícia, os condenados sendo orientados sobre o que deveriam falar.
Em um dos áudios, por exemplo, o pai de santo Osvaldo Marcineiro aparece ofegante e, em alguns momentos, grita de dor.
Em outro áudio, Beatriz Abagge, filha do então prefeito de Guaratuba e acusada de ser a mandante do crime, é ameaçada pelos interrogadores. Em um dos cortes, é possível ouvir um grito de socorro.
Acusados
Sete pessoas foram acusadas de envolvimento no assassinato:
- Beatriz Abagge
- Celina Abagge
- Davi dos Santos Soares
- Osvaldo Marcineiro
- Vicente de Paula
- Francisco Sérgio Cristofolini
- Airton Bardelli dos Santos
Na época, as investigações apontaram que Beatriz Abagge, e a mãe dela, Celina Abagge, então primeira-dama de Guaratuba, teriam encomendado a morte do menino em um ritual. Elas passaram mais de cinco anos na cadeia.
Outras cinco pessoas foram incriminadas, entre elas, Davi e Osvaldo, que também foram presos – ambos acusados de sequestrar e matar o garoto.
O caso teve cinco julgamentos diferentes. Um dos tribunais do júri, realizado em 1998, foi o mais longo da história do judiciário brasileiro, com 34 dias.