Alejandro Andrada abre a torneira da cozinha e despeja um jato de água num copo de vidro. "Sente o cheiro?", pergunta, referindo-se ao odor de cloro que sai do líquido levemente turvo. Ele então repete o ato, desta vez usando um filtro de carvão: "O cloro ele tira, mas, se provar, continua salgada".
Desde que a água passou a sair um tanto estranha dos canos, há mais de dois meses, o uruguaio de 49 anos montou um esquema de engenharia próprio. Além do filtro da cozinha, instalou outro no chuveiro e colocou uma bacia vermelha ao lado da pia. "Essa é para lavar o rosto, para escovar os dentes uso água de galão."
As adaptações viraram rotina para os 2 milhões de habitantes da região metropolitana de Montevidéu, onde vive mais da metade da população. O Uruguai enfrenta sua pior crise hídrica em 70 anos, após um longo período sem chuvas que secou as reservas de água doce e fez o presidente Luis Lacalle Pou decretar estado de emergência e autorizar uma mescla com a água salobra do rio da Prata, que encontra com o mar.
Isso elevou os níveis de cloreto e sódio e dobrou o consumo de água mineral pelos uruguaios —que, diferentemente dos brasileiros, sempre estiveram habituados a tomar água da pia. Nos mercados, os galões reabastecidos diariamente terminam rápido. "Às vezes só tem com gás", diz Amalia Sasia, 23, no caixa de um supermercado do centro.
A seca no país é mais um dos resultados do fenômeno La Niña prolongado, que reduziu as chuvas no sul da América do Sul nos últimos três anos, afetando também a Argentina e parte do Brasil. Embora seja um evento natural, ele ocorre num contexto de mudança climática que provoca temperaturas mais extremas, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), braço da ONU para o clima.
O principal reservatório que abastece Montevidéu atingiu menos de 2% de sua capacidade na semana passada, por isso se estimou que a água potável só duraria alguns dias. Mas chuvas caíram em seguida e deram um respiro para que o governo possa terminar uma obra emergencial que vai puxar água de outro rio até o fim do mês, usando 13 km de canos brasileiros que estão chegando em caminhões.
Enquanto a construção não termina, o secretário da Presidência, Álvaro Delgado, afirmou que "a qualidade da água vai continuar nos parâmetros atuais [divulgados diariamente], sendo apta para consumo humano e para todas as outras atividades", apesar de estar salgada e com cheiro de cloro.