O levantamento, feito pela Secretaria da Segurança Pública do Paraná (Sesp-PR) a pedido da reportagem, mostra que entre 2019 e 2022 um total de 859 boletins de ocorrência denunciando vazamentos de nudes foram registrados no estado, com o número de registros subindo ano a ano. Além disso, em quase metade das ocorrências (421 registros, ou 49% do total) a vítima era um homem adulto. Já em 337 situações (39,2%), quem teve as imagens vazadas foi uma mulher adulta. Na sequência aparecem os casos envolvendo adolescentes (82 registros, ou 9,6%) e aqueles com crianças (19, ou 2,2%).
De acordo com o delegado José Barreto, responsável pelo Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber), o que explica o fato de mais homens serem vítimas da divulgação de cenas de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento é o chamado “golpe da novinha”. Nesses casos, criminosos se passam por uma mulher jovem (não raro uma adolescente) e iniciam uma interação virtual com a vítima, via de regra uma pessoa mais velha (com idade entre 40 e 70 anos), e iniciam um diálogo demonstrando algum interesse romântico. A conversa vai esquentando até o ponto em que o golpista passa a incentivar a troca de imagens íntimas.
“Notamos que esse golpe específico afeta muito homens de meia idade, a partir dos 40 até os 70 anos. A pessoa está carente, às vezes não tem uma vida sexual ativa e os golpistas se aproveitam disso, botam a foto de uma menina bonita para chamar a atenção daquele homem e começam a conversa, motivando ele a fazer o que aquele criminoso quer. Depois que a pessoa manda a foto, começam as ameaças: ‘se você não me pagar tanto, eu vou encaminhar, vou mandar essas imagens para a tua família, para os teus amigos’. Acontece, inclusive, do homem pagar e, mesmo assim, eles começarem a divulgar as imagens”, comenta o delegado da PCPR.
Já o advogado Frederico Brusamolin, especialista em Direito Penal, apresenta uma visão diferente sobre essa situação de haver mais homens registrando boletins de ocorrência do que mulheres. Para ele, trata-se uma questão que passa pela vergonha maior que acomete aquelas do sexo feminino e pelo próprio olhar (machista) da sociedade sobre essas vítimas.
“Termos mais homens vítimas demonstra que os homens, até pela sociedade em que vivemos, não vão sentir a mesma vergonha que uma mulher sentiria. Eles são tratados como vítimas de um crime, realmente. E é um crime horrendo, viola a intimidade de alguém. A pessoa se sente completamente violada e os homens aparecem como principais vítimas, mas grande parte da população ainda vê com maus olhos isso quando se trata de uma mulher, culpa ela por ter feito as imagens. Há necessidade de uma maior educação nisso e é importante até o feminismo se mobilizar, atuar nisso”, aponta Brusamolin.
Caso envolvendo paranaense foi estopim para criminalização da conduta
Hoje existem duas leis que punem os crimes de divulgação de cenas de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima, ambas de 2018. Uma delas é a Lei 13.718/18, que criminaliza a “divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, sexo ou pornografia sem consentimento”, e que também pune o compartilhamento, com pena variando entre 1 e 5 anos de reclusão (podendo ser aumentada caso o crime seja praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação).
A outra legislação é a Lei 13.772/18, que considera crime o “registro não autorizado da intimidade sexual”, o punindo com seis meses a 1 ano de detenção. Essa última legislação, inclusive, ficou conhecida em alusão à luta de uma paranaense, uma jornalista que teve imagens íntimas vazadas pelo ex-noivo, em 2005, após o fim de um relacionamento de quatro anos. O conteúdo foi divulgado em sistes do Brasil e do exterior, junto com o número do telefone dela e de um de seus filhos, então menor de idade. Além disso, o conteúdo também foi distribuído pelo homem por meio de CDs que foram distribuídos na cidade de Maringá, onde ela morava.
Depois do caso, ela perdeu o emprego, os amigos e desenvolveu problemas psicológicos. Os filhos também sofreram por conta da ridicularização. Para se defender, ela apelou para o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal (que diz respeito a inviolabilidade da intimidade), o artigo 7º, inciso II da Lei Maria da Penha e o artigo 953 do Código Civil (que diz respeito a injúria, difamação e calúnia).
Não havia, contudo, uma lei específica que tratasse dos casos de pornografia de vingança, o que mudou a partir de uma iniciativa da própria, que em maio de 2013 criou o projeto de lei “Maria da Penha Virtual”, aprovado cinco anos depois na Câmara dos Deputados.