quarta-feira, novembro 18, 2020

“Indígenas são perfeitamente responsáveis por suas ações”, diz presidente da Funai sobre caso de Nova Laranjeiras

Após o novo episódio esta semana envolvendo conflito entre indígenas e a Polícia Rodoviária Federal, em Nova Laranjeiras, o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Xavier, emitiu uma nova nota.

Ele disse que a Fundação não tem tutela orfanológica dos índios, ou seja, eles tem direitos e deveres civis. Para a Funai os indígenas “possuam grau de aculturamento e estágio adequado de compreensão dos hábitos da sociedade nacional” e “são perfeitamente responsáveis por suas ações”. A possível vulnerabilidade social não exclui a responsabilização criminal pelos ilícitos cometidos.

Na semana passada houve o saque de um caminhão que transportava pneus após um acidente na BR-277, na região da aldeia de Rio das Cobras. Chocou o fato de o corpo da vítima fatal ter sido pisoteado durante o crime de saque. Um policial chegou a ser atingido por uma pedrada. Diante dos fatos 4 indígenas foram detidos e esta semana uma viatura pega pelos indígenas que pediam a soltura dos detidos. O trânsito chegou a ser interrompido na rodovia e a situação ficou tensa no local.

A Funai disse ainda que tem buscado fazer a conscientização das populações indígenas.

Veja a nota na íntegra:

“Em relação ao recente episódio ocorrido na BR 277, no município de Nova Laranjeiras (PR), a Fundação Nacional do Índio (Funai) vem a público esclarecer que, enquanto instituição pública, calcada na supremacia do interesse público, não pode coadunar com nenhum tipo de conduta ilícita.

Cumpre ressaltar que a Funai reconhece a organização social, os usos, costumes e tradições, bem como a pluralidade étnica-cultural das diversas comunidades indígenas, entretanto, não exerce tutela orfanológica de indígenas que se encontram em pleno gozo de seus direitos civis, possuam grau de aculturamento e estágio adequado de compreensão dos hábitos da sociedade nacional, com ela interagindo de forma perene, os quais são perfeitamente responsáveis por suas ações. Uma vez reconhecida a plena capacidade de tais indígenas e a não recepção do instituto da tutela orfanológica prevista no Estatuto do Índio, por via de consequência, deve ser admitida a legitimidade passiva para responderem pelos atos que praticam, já que enquanto legitimados passivos também exercem a defesa de seus direitos. Cabe destacar, ainda, que eventuais questões envolvendo a vulnerabilidade social também não excluem a potencial responsabilização por ilícitos cometidos.

Nesse sentido, é o entendimento já consolidado pela Jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Os indígenas integrados à sociedade, nos termos do art. 4º, inciso III, da Lei nº 6.001/73, não se sujeitam ao regime tutelar especial estabelecido pelo Estatuto do Índio” (REsp 737285/PB – STJ – Relatora Ministra Laurita Vaz – DJ 08/11/2005); “O Estatuto do Índio só é aplicável ao indígena que ainda não se encontra integrado à comunhão e cultura nacional. O indígena que está em pleno gozo de seus direitos civis, inclusive possuindo título de eleitor, está devidamente integrado à sociedade brasileira, logo, está sujeito às mesmas leis que são impostas aos demais cidadãos nascidos no Brasil” (HC 88853/MS – STJ – Relatora Ministra Jane Silva – DJ 11/02/2008); “Uma vez integrado à comunhão nacional, encontra-se o índio no pleno exercício dos seus direitos civis e políticos, cessando a tutela exercida pela FUNAI/União” (AC 2003.71.04.005390-2/RS – TRF da 4ª Região – relatora Desembargadora Federal maria Lúcia Luz Leiria – DJ 11/02/2009); “Descabe falar na incidência do Estatuto do Índio quando o índio está integrado à vida urbana e á sociedade, não necessitando, pois, de tratamento diferenciado” (HC 0003971-78.2014.827.0000 – TJTO – Relator Desembargador Eurípedes Lamounier – DJ 19/08/2014); “O indígena que está em pleno gozo de seus direitos civis está devidamente integrado à sociedade brasileira, logo, está sujeito às mesmas leis que são impostas aos demais cidadãos brasileiros” (AC 0090.10.000428-3 – TJRR – Relatora Desembargadora Tânia Vasconcelos Dias – DJ 04/02/2014. No mesmo sentido, reafirmando o entendimento, cite-se o Recurso Especial nº 1.650.730/MS – Superior Tribunal de Justiça – Relator Ministro Mauro Campbell Marques – DJ 20/08/2019.

Lado outro, cabe destacar que a Funai tem se empenhado e promovido ações de conscientização junto às comunidades indígenas acerca da inviabilidade da prática de atos ilícitos. No caso do Estado do Paraná, o trabalho é realizado pela unidade descentralizada da fundação localizada em Guarapuava (PR), a qual acompanha o caso.

Por fim, a fundação ressalta que repudia qualquer ato ilícito e esclarece que tem prestado apoio às autoridades policiais para a devida apuração dos fatos ocorridos no município de Nova Laranjeiras (PR), que incluem, lamentavelmente, o embate entre indígenas e as forças policiais, o saque de carga e a interrupção da BR-277.

Marcelo Xavier

Presidente da Funai”