terça-feira, novembro 03, 2020

América do Sul Mais homicídios e usuários: Uruguai é alerta contra projeto que libera plantio de maconha

Uma proposta em apreciação na Câmara dos Deputados pode resultar na liberação do plantio da maconha no país - e não apenas para fins medicinais. O texto de autoria do deputado Luciano Ducci (PSB-PR), na verdade, é o substitutivo de uma proposta bem mais branda apresentada há cinco anos. Inicialmente, o projeto em discussão propunha apenas o comércio de produtos à base de cannabis para a produção de medicamentos.

Mas a proposta de Ducci vai muito além: permite “cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, industrialização, comercialização, importação e exportação”. O texto também contempla “produtos sem fins medicinais”. Se depender do exemplo do Uruguai, entretanto, o país não tem muito a ganhar com a flexibilização na legislação antidrogas.

Defensores da legalização costumam citar positivamente o caso do Uruguai, que liberou o comércio e a produção da maconha, inclusive para fins recreativos. Obviamente, o cenário difere, e muito, do Brasil: a população do Uruguai é metade da cidade do Rio de Janeiro. O que funciona no território uruguaio não necessariamente vai funcionar em um país muito mais complexo e menos homogêneo. E, mais importante: as estatísticas uruguaias são preocupantes.

A liberação do comércio da maconha foi sancionada no fim de 2013 no Uruguai; mas, devido às dificuldades burocráticas, o comércio só teve início em julho de 2017. De forma geral, a legalização tendeu a servir como um incentivo ao consumo. Ao mesmo tempo, por causa das regras burocráticas em excesso, a oferta da maconha “oficial” (vendida em farmácias, mediante um cadastro prévio) é reduzida. Isso reforça o mercado paralelo, que também atende pelo nome de narcotráfico. No ano em que o comércio da maconha teve início, os homicídios tiveram uma alta de 5,6% (puxados exatamente pelos meses pós-legalização) em relação a 2016. De 2017 para 2018, o salto foi de impressionantes 45,8%. Segundo o governo, metade desses assassinatos tem a ver com o tráfico de drogas.

Um levantamento do UNDOC, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, concluiu que o consumo de drogas no Uruguai em 2017 estava num patamar muito superior ao de 2014, em todas as faixas etárias. O crescimento mais acentuado ocorreu na faixa dos jovens entre os 19 e os 24 anos, em que o consumo habitual passou de menos de 25% para mais de 35%.

Os resultados da liberação no Uruguai são fruto de uma mudança mais radical da que a que se propõe no Brasil - o projeto em debate na Câmara não libera o plantio para fins recreativos -, mas a legislação do país vizinho parece se assentar em pressupostos semelhantes aos defendidos por parlamentares como Ducci. Um deles: o de que o Estado será capaz de fiscalizar uma miríade de regras envolvendo o plantio e o transporte legal da maconha.