sexta-feira, maio 31, 2019

Justiça Federal condena 13 pessoas por desvio de dinheiro da UFPR

   
Treze investigados em um processo da Operação Research, que investiga fraudes no repasse de bolsas e de auxílios à pesquisa pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), foram condenados nesta quinta-feira (14) pelo juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba. 

Pelos crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro, a ex-chefe do setor de Orçamento e Finanças da UFPR, Conceição Abadia Mendonça, foi condenada a 17 anos e oito meses de reclusão; a ex-secretária da pró-reitoria de Planejamento e Orçamento da universidade, Tânia Márcia Catapan, foi condenada a 16 anos e seis meses de reclusão pelos mesmos crimes.

Ambas chegaram a ser presas pela Polícia Federal (PF) em fevereiro de 2017 e soltas no mesmo ano. Em março de 2018, elas foram demitidas da universidade. Outros 21 réus no processo foram absolvidos pelo juiz. (Leia a sentença)

Principal investigada, Conceição Abadia Mendonça, segundo a condenação, se valeu do cargo para tirar proveito e utilizou pessoal ou recursos materiais da repartição em atividades particulares. Conceição trabalhou por mais de 40 anos na UFPR. No total, R$ 7,3 milhões teriam sido desviados durante o período investigado. "O rombo causado pelas ações criminosas permanece, em sua maioria, aberto e não há sinais de que, em horizonte próximo, venha a ser preenchido com a restiuição do que foi saqueado dos Cofres Públicos", afirmou o juiz em despacho.

De acordo com a sentença, o dinheiro desviado era destinado a bolsas de pesquisa para 27 pessoas entre 2013 e 2016. O dinheiro, segundo o juiz, financiou cruzeiros marítimos, joias, roupas, viagens e jantares aos investigados.

"No caso, parte desses valores deveria ser devolvida à sociedade sob a forma de bolsas para estudantes e pesquisadores. Mas foi usada para permitir o deleite pessoal de um pequeno grupo de criminosas, algumas delas travestidas de servidoras públicas e suas familiares e amigas próximas", despachou.

O juiz Marcos Josegrei afirma que a fraude era simples. "O mecanismo era relativamente simples: em procedimentos de pagamentos de bolsas submetidos ao pró-reitor e à pró-reitora substituta de pós graduação da UFPR para que fossem aprovados e encaminhados para quitação eram inseridos mensalmente nomes e dados bancários de indivíduos das relações pessoais das líderes e agenciadoras do esquema que nenhuma relação docente possuíam com a Universidade. Após um breve período inicial em que poucos nomes foram utilizados como 'teste de viabilidade' da prática criminosa, instituíram uma rede de 'laranjas' que atingiu o total de 27 (vinte e sete) 'bolsistas' cuja função era basicamente a de, a um só tempo, viabilizar as práticas criminosas e ocultar e dissimular a origem criminosa dos valores desviados, permitindo que, em seguida, retornassem aos bolsos das mentoras e agenciadoras mediante saques em espécie e transferências bancárias", afirma o juiz.

"O estratagema, conquanto rudimentar, funcionou mensalmente sem que fosse detectado por qualquer sistema de controle interno da UFPR, até ser descoberto com relativa facilidade pela Controladoria Geral da União em inspeção realizada no segundo semestre de 2016", despachou.

Em um dos trechos do despacho, Marcos Josegrei afirma ter se deparado com caso peculiar em sua carreira. 

"Poucas vezes este magistrado, nos 19 (dezenove) anos de carreira completados no último dia 24/01/2019, se viu frente a uma situação tão tortuosa para definir critérios distintivos entre réus que, aparentemente, se encontram em situação idêntica. São 27 (vinte e sete) acusados que figuraram falsamente como bolsistas da UFPR. Não há dúvida alguma de que nenhum deles, em tempo algum, levou a cabo qualquer atividade acadêmica universitária. Eles mesmos o admitiram em Juízo. São parentes, amigos e conhecidos dos mentores da falcatrua. Exercem as mais diversas profissões, tais como vendedor, comerciante, empresário, músico, manicure, maquiadora, doméstica, taxista, auxiliar de escritório, pedreiro, repositor de estoques, aposentado, funcionário de tabelionato, cabeleireira, pedagoga, contadora, operadora de caixa, chefe de cozinha, assistente administrativo e dona de casa, Enfim, uma amostra das atividades habitualmente exercidas pelos brasileiros para obter renda.", diz.

O juiz define na sentença quem de fato eram as lideranças no esquema. "Em comum há os vínculos com as líderes e agenciadoras CONCEIÇÃO, TÂNIA, GISELE, MARIA ÁUREA, MÁRCIA, MELINA E ANEILDA e o fato de que jamais, em tempo algum, estudaram ou realizaram qualquer pesquisa na UFPR. Também é uma amostra de como funcionam, muitas vezes, as relações entre quem possui alguma posição funcional, econômica ou social de certa expressividade e aqueles que compõem a base do sistema produtivo. Entre aqueles que possuem certa autonomia - que permite desviar dinheiro público, já que, por princípio, não se malversa dinheiro recebido honestamente - e aqueles que são chamados a aderir por dolo ou culpa ao esquema em troca de alguma benesse ou para atender a um favor lastreado em vínculos de amizade ou parentesco. A um amigo ou parente nada se nega!", destaca. 

"Nesse emaranhado estão a manicure que recebia boas gorjetas da cliente que 'trabalhava na Federal', o sobrinho que foi criado pela avó porque os pais se omitiam em seu dever familiar, a cabeleireira que era irmã de outra bolsista, a comadre da agenciadora, uma família inteira de amigos de décadas da funcionária da UFPR. Todos cooptados com os mais diversos argumentos. Desde a necessidade de uma conta bancária de terceiro para receber salários atrasados sem que o banco pudesse descontar um suposto débito da correntista, uma alegada venda de um imóvel, uma pensão alimentícia que deveria pretensamente ser omitida do atual marido, até uma imaginária restrição de crédito que impediria a utilização de uma conta bancária em seu próprio nome".

"A retribuição por tais favores vinha sob a forma de depósitos que variavam de R$ 50,00 a R$ 2.000,00 por quem cedia as contas bancárias. E mesmo assim há relatos de que as agenciadoras mentiam regularmente sobre o uso das contas, informando não haver movimentação que justificasse o pagemento de qualquer remuneração quando, efetivamente, isso ocorria. Em algumas vezes a contrapartida era nada além do que a manutenção da 'amizade', incutindo no terceiro a ideia de que poderia se sentir incluído no seleto(?) rol de amigos da servidora pública ou da detentora de curso superior de pedagogia ou de direito. Obviamente que todos os falsos bolsistas negaram veementemente que soubessem que a origem do dinheiro era ilícita. Portanto, emprestaram suas contas bancárias a terceiros, sem nada perguntar e sem sequer conferir extratos", explica o juiz.

Em nota, a UFPR disse que vê com satisfação o desfecho judicial, em primeira instância, de responsabilização das pessoas envolvidas nos desvios das verbas de auxílio e de bolsas. "A decisão judicial confirma, pelo rol dos condenados, que dentro da Universidade eram de fato apenas duas servidoras ativas, que inclusive já foram demitidas, por processo interno de nossa instituição, que comandaram e foram responsáveis por todo o esquema criminoso. A Universidade continuará empregando todos os esforços na busca do ressarcimento de todos os valores que foram desviados pelos condenados e seguirá incrementando todos os mecanismos do controle interno, de transparência e de governança nos pagamentos de auxílios e bolsas.", diz a nota.